Caríssimos convivas:
quando criança eu amei um animal que não existe.
Esse amor triste às vezes me inflamava as amídalas
mas no mais das vezes era alegria:
num meio pingo dágua
de através os cílios
meu olho hipermétrope era microscopia.
E assim, caríssimos, eu era donzela-cientista
(e donzela digo
com a palavra em seu grau mais riso)
Em meio a esse amor violento de invenção aprendi uns silêncios
pra mantê-lo vivo
e uns estrebilhos pra vingar canção
Ele me ensinou a aproveitar na queda o colo do ar
e assim eu pude, para o assombro doutros convivas,
ficar boiando perto do teto
(eu só descia quando aquele airoso colo ameaçava ventania)
Ainda que excelsa montaria,
inexistido o animal era simples:
tinha ser de égua e alga,
montanha de azul sem nome:
brinquedo de lama e amuleto
passaredo e olaria.
Inexistido ele era vapor e planta,
além de carne, cascos, escamas
- e sei que mesmo nomeando tantas conhecidas substâncias,
os alegres convivas não o distinguiriam
dum inseto entorno da lâmpada.
Pra afugentar a tentação de realidade,
ele trazia na testa o branco corno
(os convivas compreendam: era apenas guarnição –
disfarçado de mitologia
o amor estava preservado da loucura e da verdade)
Depois de submeter sua delicada inexistência
a esta dissecação lírica
frente aos olhos de meus convivas
faço ao animal um apelo:
que, entre os grandes e os sérios,
machos e fêmeas, os adultos,
ele sobreviva
e que, de tão vivo, ria, generoso,
deste carinho torto que fiz-lhe,
este limbo de linho e água
esta gaiola - algaravía)
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