7.02.2012

de que coisa infinitamente maravilhosa são os castelos que não são de areia?

Como do sono alimento que me suja a roupa, o rosto. Tudo é fagulha indistinta, sonho ou vigília. Os versos velhos soam rasos-largos, seu curso de branca areia assoreado. Nas areias da nossa infância, tantos castelos construíamos nas praias mansas das nossas faltas. 
Durante a febre ardia meu verso impúbere: de lucidez se queimaram as pupilas. E vieram as insignes significâncias de criança feroz: os versos-rasgos, de desvelo e fúria disparados, as barricadas de corais entorno do castelo familiar. A falta ungida de um unguento misterioso, o sentido imperioso de decência.


(assumo esta pena
   e com ela assino
       minha alforria) 

4.16.2012

para comemorar o outono, o ano novo e outro

para Nuananda,
com amor

rayuela
eu e ela
(se em mim sou ela e isa
 então rima-se
             ela e eu  )

amarela flor de si em si
                  compartilhamos
amargas pétalas
em cálice confortável a asas
onde servem-se de pólen,
amalgamam-se insectos
(homens circunspectos confundem-se:
   oblíquo amarelo em severas flores:
                 jardim impossível
                           conhece cultivo?)

 afora o amargo
a pétala avoa
enfeite de noiva ventania:
anda, anda o nosso canto
ao consorte sol:
irmana-me contigo!
anda anda
até que consigamos
chegar à beira,
ao aberto da cantiga:
lá alinhavamos horizontes
com linhas tantas da nossa palma

imantada agulha aponta:
                        rumo sorte


(e quem quiser que vá à casa dela: http://oabertodasenguias.blogspot.com.br/)

11.17.2011

perguntaram a ele se o poeta vê ainda futuro pra humanidade


ele respondeu: me considero um songo no assunto




"UM SONGO"
Poema inédito de Manoel de Barros

Aquele homem falava com as árvores e com as águas
ao jeito que namorasse.
Todos os dias
ele arrumava as tardes para os lírios dormirem.
Usava um velho regador para molhar todas as
manhãs os rios e as árvores da beira.
Dizia que era abençoado pelas rãs e pelos
pássaros.
A gente acreditava por alto.
Assistira certa vez um caracol vegetar-se
na pedra.
mas não levou susto.
Porque estudara antes sobre os fósseis lingüísticos
e nesses estudos encontrou muitas vezes caracóis
vegetados em pedras.
Era muito encontrável isso naquele tempo.
Ate pedra criava rabo!
A natureza era inocente.


P.S:
Escrever em Absurdez faz causa para poesia
Eu falo e escrevo Absurdez.
Me sinto emancipado.

11.16.2011

refletimos






refletimos:
somos prata envidraçada.

(retire a primeira pedra
quem se surpreender pela mão ferida quando catar os cacos)

reflitamos:
somos prata aflita, imagem encarcerada:
e se dizer amor nem sempre é dizer amamos?
e no entanto dizemos

dizer de si
(só de cor)
num amor multiplicado aos estilhaços:
esse gesto dito alcançará o fundo do espelho,
todo superfície?
trará isto um outro colorido
ao brilho antigo da prata?

e dizer amor será dizer amamos,
desde si até um sol maior de um claro eclipse:
a prata da lua engolida luzirá
desde si se derramando
dissolvendo o jogo dos reflexos,
reunindo enfim fundo, superfície, substância

e dizer amor será dizer amamos,
mesmo que por enquanto digamos nós nas entrelinhas.

(no meu telhado onde a lua se olha,
atire a pedra fundamental:
cato os cacos
me faço nua
mosaico de porcelana e pedra bruta)

7.31.2011

IDÉIAS DE CANÁRIO

http://www.germinaliteratura.com.br/2008/contosdemachado_ideiasdecanario.htm

À MESA





Os senhores hoje comerão sementes.
Algumas estão verdes,
outras – grãos de sonho apenas – são espúrias
outras ainda, desdobradas, arvorecem.

Comerão sementes e também o pêlo dos nossos bichos.
Muito enxaguada e colorida de quedas,
entretecida de sedas, horizontes,
linho, naquim, arame e estilete
(mas entretecida principalmente dos sulcos das nossas palmas e rostos)
                        - esta trama será o prato do dia.

A refeição será iluminada pelo contraste de nossos cabelos e pupilas.
Há frutas que colhemos,
outras pretendidas.
Algumas de areia,
outras putrefeitas.
Na falta de mel trouxemos muitas flores e abelhas.
Assim se explica a quantidade de terra que nos cerca -
peço então que os senhores não se incomodem com eventuais formigas
pois elas também são convidadas.


     O vinho será servido somente quando seiva suficiente correr em nossos braços.

O sol à pino, os senhores sentem.
Vejamos o dia que declina,
até incendiar-se como esse grão de romã,
até que, com a lua no copo,
brindemos a prata dos reflexos.

Os senhores sentem,
estão em casa:
hoje eu cobri a mesa com o branco dos nossos lençóis.




7.21.2011

ANATOMIA DO PRESENTE

a bacia plena de descuidos, a espinha prolixa de entortamentos. e no sorriso as faces encurvam-se em covas (as covas úmidas de lágrimas quando as pede a circunstância) as mãos polpudas, as unhas enxeridas procurando assunto entre os pudores dos buracos. sempre os pés bem dispostos à preguiça. no pescoço o inconfundível colar de carrapatos - as orelhas arruinadas entre os brincos, os seios tímidos ante a franqueza do umbigo. as coxas reles a pele desamparada frente à gravidade, os joelhos resignados frente à gravidade dos calçados, dos pecados. as sobrancelhas desgarradas, as pálpebras se batendo incomunicáveis – os dentes roendo as maçãs do rosto, a língua enrolando o caroço
de morte em morte se recompõe este delicado ossuário, que assim enfeitadinho de gorduras se expõe, comungando estrias e coceiras, delicadeza que então tosse e range, pisa torto – essa carne exígua contra os desmandos da antimatéria, dos mistérios, da música – assim, amiúde, se coloca a carne exígua contra os paradigmas e as paredes, se coloca mas desafina, toda terra, formigas nas axilas