4.18.2011

SE A NOSSA LÍNGUA DISSESSE

















SE A NOSSA LÍNGUA DISSESSE
 o mar mulher
isso em nada alteraria
a natureza intempestiva
 do mar, da língua

feito mulher o mar
 em si dissolveria 
a definição de seu artigo
nome e substância confundidos
 em seu ventre feminino
o mar abrigaria
 animais mínimos
 cantos de baleia
 ostras, naufrágios, ilhas
 submarinos
 civilizações inteiras

feito mulher o mar abrigaria
 em seu ser de reflexo
 e de chão desconhecido
não só a natureza de verbo
 mas de um verbo infinitivo

4.04.2011

peço licença











peço licença
 para o meu poema


peço porque a voz nele
não é esta moça de vinte anos
com anseios e lápis na mão


peço licença primeiro
aos que veêm na poesia artigo fino
cereja no bolo da civilização
licença concedida, digo:
estão enganados.
a poesia é trabalho antigo
e contínuo
de descoberta e repetição.


depois peço licença
aos poetas bissextos, de gaveta ou gabinete
peço que possa eu comunicar-lhes
que, apesar das minhas tranças,
já aprendi que não há poesia sem desafio
não há poema sem punho


peço, por fim, licença aos que me amam
eu, com meus risos, bichos, sapatos:
saibam que nada disso em mim é inevitável.
e que não só posso deixar tudo isso solto em suas casas
como posso também deixá-los
apenas com uma vaga lembrança
das saias duma moça cheia de palavras


peço licença não para amá-los pouco
mas para comunicar-lhes que trabalho muito
e nem sempre há tempo para jantar juntos
ou para o filme que está nos cinemas
(pois são tantos segredos
e emagreço)
a despeito da juventude da minha carne,
o trabalho fez em mim um calo
que muitas vezes me impede de concordar
e quase sempre me impede de condescender
mesmo com relação aos mais amados.


aos grandes da poesia
não peço licença.
peço amor somente
para semear o alimento
que eles guardaram para nosso sustento.






(para o Tomaz não reclamar)