4.04.2011
peço licença
peço licença
para o meu poema
peço porque a voz nele
não é esta moça de vinte anos
com anseios e lápis na mão
peço licença primeiro
aos que veêm na poesia artigo fino
cereja no bolo da civilização
licença concedida, digo:
estão enganados.
a poesia é trabalho antigo
e contínuo
de descoberta e repetição.
depois peço licença
aos poetas bissextos, de gaveta ou gabinete
peço que possa eu comunicar-lhes
que, apesar das minhas tranças,
já aprendi que não há poesia sem desafio
não há poema sem punho
peço, por fim, licença aos que me amam
eu, com meus risos, bichos, sapatos:
saibam que nada disso em mim é inevitável.
e que não só posso deixar tudo isso solto em suas casas
como posso também deixá-los
apenas com uma vaga lembrança
das saias duma moça cheia de palavras
peço licença não para amá-los pouco
mas para comunicar-lhes que trabalho muito
e nem sempre há tempo para jantar juntos
ou para o filme que está nos cinemas
(pois são tantos segredos
e emagreço)
a despeito da juventude da minha carne,
o trabalho fez em mim um calo
que muitas vezes me impede de concordar
e quase sempre me impede de condescender
mesmo com relação aos mais amados.
aos grandes da poesia
não peço licença.
peço amor somente
para semear o alimento
que eles guardaram para nosso sustento.
(para o Tomaz não reclamar)
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